Apesar dos constantes protestos dos moradores dos Flexais pedindo realocação, dos vários processos judiciais pedindo a retirada das pessoas da região, das dezenas de casas rachadas - algumas condenadas pela Defesa Civil - que ainda abrigam famílias inteiras em seu interior, para a Braskem, indenizar e retirar as famílias que ainda moram em áreas afetadas pelo afundamento de solo na Base de Mineração seria uma "irresponsabilidade social".
Pelo menos foi isso que a mineradora alegou à justiça para suspender os efeitos de uma decisão judicial que determinava um plano para realocação dos moradores dos Flexais.
O processo corre em segredo de justiça, mas as decisões judiciais que envolvem o caso são públicas. E nelas estão parte das alegações usadas pela mineradora para travar o processo e tentar reverter o aumento das despesas com a inclusão de pelo menos mais 3 mil indenizações.
As alegações da Braskem vão desde as questões técnicas até as que citam o agravamento de "problemas sociais". Ao que parece, no entendimento da mineradora, esses problemas não são gerados pela destruição de residências que a constante movimentação do solo está causando. Nem pelo isolamento social gerado com a desocupação de toda a área no entorno dessa comunidade. Para a Braskem, os verdadeiros problemas sociais na região dos Flexais viriam somente no caso da realização de um Plano de Realocação Voluntária. Dar a população o direto de escolher se fica ou não uma área que está se deslocando e afundando, no entendimento da mineradora, provocaria uma "grave lesão à ordem pública".
situação das casas habitadas na região dos Flexais - reprodução reportagem The Intercept Brasil
As decisões são oriundas de dois processos judiciais. O PROCESSO Nº: 0815918-29.2023.4.05.0000 - SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA e o PROCESSO Nº: 0815940-87.2023.4.05.0000 - AGRAVO DE INSTRUMENTO. Ambos estão disponíveis para acesso público no site da Justiça Federal. Dentro tramitação desses processo não é possível ter acesso às alegações usadas pela Braskem, mas as duas decisões oriundas desses processos são públicas e trazem trechos da argumentação montada pela Braskem para evitar a indenização de mais moradores afetados pelo problema.
O primeiro processo - Nº: 0815918-29.2023.4.05.0000 - SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA - já é decorrente de outro que determinou, em caráter liminar "a ampliação do Programa de Compensação Financeira e Apoio à Realocação da população afetada pela exploração de minas de sal-gema na cidade de Maceió."
A ampliação do Mapa de risco feita no fim do ano passado pela Defesa Civil incluiu mais de 3 mil moradores nas chamadas ações prioritárias. Um das determinações dessas ações seria que a Braskem indenizasse os moradores da região, assim como ocorreu com todos os outros dos Bairros já esvaziados (Mutange, Pinheiro, Bebedouro).
A Braskem recorreu da decisão inicial e tentou impedir judicialmente que gastasse ainda mais recursos com realocações de moradores. No dia 30 de dezembro do ano passado, entrou com o processo para anular a liminar. E ao que parece, a semana posterior ao Natal, despertou um sentimento social na mineradora. Pois parte das alegações são supostas preocupações com os efeitos sociais provocados caso os moradores decidissem deixar os Flexais.
Segundo a decisão do desembargador FERNANDO BRAGA DAMASCENO a Braskem alegou que:
"as novas áreas de criticidade definidas pela Defesa Civil Municipal, na Versão 5 do Mapa, não possuem correlação com os eventos recentes ocorridos em Maceió e divulgados amplamente na mídia de colapso da mina 18."
A decisão cita ainda que a Braskem defendeu que:
"a manutenção da decisão (de realocar moradores dos Flexais) provoca grave lesão à ordem pública e à economia pública, porquanto a realocação facultativa resultaria em um cenário de completo esvaziamento da área de criticidade 01, que se tornaria, gradualmente, área de criticidade 00, em virtude do enfraquecimento dos laços comunitários, agravamento de problemas sociais, crises de segurança pública, entre outros."
O magistrado ainda disse em sua decisão que a Braskem também se preocupou com os comerciantes da região:
"os comércios da região e todas as suas atividades empresariais, simplesmente, desaparecerão, com imediato e nítido risco à economia popular e que, portanto, o impacto para a economia pública é flagrante."
Mas o forte apelo a comoção parece não ter afetado a decisão do magistrado. O desembargador não atendeu o pedido da mineradora alegando que:
"Assim, ainda que se tivesse como razoável o argumento de que a decisão repercutiria negativamente na ordem econômica e na economia popular, quiçá trazendo mais transtorno que benefícios para a própria coletividade que se visa proteger, parece claro que não cabe à recorrente a defesa em juízo dos interesses respectivo"
Com a negativa, a decisão de iniciar imediatamente a realocação e indenização dos moradores dos Flexais se manteve em vigor, mas acabou sendo derrubada no último dia 22 numa decisão do desembargador federal Elio Wanderley de Siqueira Filho.
Em suma, o processo não foi suspenso, mas apenas "congelado". O Desembargador Federal afirma no texto, que antes de tomar qualquer decisão definitiva sobre o caso - após os argumentos sociais da mineradora - preferiu aguardar os argumentos das entidades (Defensoria Pública da União, do Ministério Público do Estado de Alagoas e do Ministério Público Federal) e afirma que vai levar o caso para decisão coletiva.
"Ao analisar o pedido de tutela recursal neste instrumental, num juízo prefacial, indeferi o efeito suspensivo requerido, mantendo, por consequência, os efeitos da decisão agravada. Na sequência, as vésperas do recesso forense, a agravante atravessou pedido de reconsideração. Naquela oportunidade, o processo já se encontrava na Divisão da Primeira Turma para proceder às intimações dos entes públicos agravados, de modo que proferi despacho, reservando-me ao exame da liminar após o contraditório."
Defensoria Pública da União, do Ministério Público do Estado de Alagoas e do Ministério Público Federal tiveram um prazo de 72 horas para apresentar resposta aos argumentos da Mineradora. O julgamento do caso no pleno da Justiça Federal deve ser anunciado nos próximos dias
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