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“Golpe do Abadá” praticado por jornalista já tem mais de 100 vítimas registradas na polícia

Vítimas que adquiriram abadás das prévias carnavalescas de Maceió e dos carnavais em Recife, Olinda e Salvador lotam delegacias, enquanto jornalista segue internada se recuperando de uma tentativa de suicídio.

07/03/2025 às 08h18 Atualizada em 09/03/2025 às 13h14
Por: Thiago Correia
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“Golpe do Abadá” praticado por jornalista já tem mais de 100 vítimas registradas na polícia

Desde a última sexta-feira, as delegacias de Maceió vêm recebendo um alto volume de pessoas denunciando terem sido vítimas de um golpe praticado pela jornalista Adelaide Nogueira, 44. Os relatos acusam a comunicadora de vender pacotes com abadás, pulseiras de acesso (alguns VIPs) em eventos privados de carnaval nas cidades de Olinda, Recife e Salvador, e não entregar o prometido.

A equipe de reportagem do Portal Na Rede teve acesso a dezenas de Boletins de Ocorrência, áudios, prints de conversas e comprovantes de pagamento realizados pelas vítimas à jornalista, além de entrevistar várias vítimas. O total de pessoas lesadas pelo "golpe" chega a mais de 100 e, a cada dia, novos boletins de ocorrência são registrados presencialmente e virtualmente. O caso cresce a cada dia e a Polícia Civil de Alagoas deve designar um delegado especial para investigar as denúncias. O valor total repassado à jornalista por pessoas lesadas pelo golpe se aproxima da casa dos 100 mil reais.

Ainda na última sexta-feira, o caso começou a ganhar espaço nas redes sociais, com algumas vítimas registrando o "golpe", que por pouco não tem um desfecho trágico com o suicídio da jornalista. Passado o carnaval, o volume de pessoas que apresentam provas contra Adelaide Nogueira cresceu consideravelmente, fazendo a Polícia Civil dar uma atenção especial ao caso. A jornalista está internada desde a data no Hospital Geral de Alagoas se recuperando após tentar tirar a própria vida no dia em que prometeu entregar os abadás aos compradores.

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Como tudo começou

Por pouco, a história não começa a vir à tona na última sexta-feira a partir de uma tragédia. De acordo com as centenas de prints que tivemos acesso, Adelaide Nogueira vinha sendo pressionada há pelo menos 2 semanas a entregar os abadás que havia vendido para acesso ao Carnaval Carvalheira na Ladeira, na cidade de Olinda - PE, e ao camarote Boa Viagem no Recife, e vinha protelando as entregas alegando atrasos junto à organização do evento, à fábrica dos abadás e até supostos funcionários que estariam vindo para Maceió especialmente para trazer os supostos abadás e credenciais de acesso comprados.

Pelas conversas que tivemos acesso, muitas pessoas já eram clientes de outros eventos e a compra seria apenas mais uma feita pela jornalista. Adelaide Nogueira se apresentava como "comissária" dos eventos, o que daria a ela a possibilidade de revender pacotes de acesso aos carnavais privados por um preço abaixo do cobrado nos pontos oficiais de venda. A média de desconto ofertado era de 30%. Adelaide Nogueira vendia os abadás para Olinda ao preço que variava entre 650 e 700 reais, e o de Recife ao preço de 500 reais.

Jornalista se identifica como comissária
adeaide se identifica como comisária

"Temos inúmeros prints das pessoas negociando diretamente com a Adelaide. Ela se identificava como comissária e os preços eram atrativos. Jamais imaginávamos que pudesse acontecer isso", disse uma das vítimas, que não terá sua identidade revelada. "Os meus kits foram pagos por uma amiga porque íamos juntas e fomos informadas da possibilidade de esgotar pela alta procura", completou.

Ela teria iniciado as vendas em março de 2024. A nossa reportagem teve acesso a pelo menos 20 comprovantes de pagamentos realizados ainda no início do ano passado, com valores que variam entre R$ 1.300 e R$ 2.800. Alguns comprovantes foram feitos diretamente à conta de Adelaide Nogueira, outros a uma empresa que, segundo nossa apuração, está registrada em nome de Maria Clara Nogueira, sobrinha de Adelaide. O nome de Maria Clara também figura em vários boletins de ocorrência.

lista de um dos pedidos com valores para cada evento (divulgação autorizada)

Nas duas últimas semanas que antecederam o início do evento, a pressão pela entrega dos abadás aumentou bastante. Alguns prints que tivemos acesso mostram pessoas irritadas e algumas preocupadas com a demora da entrega e com as várias justificativas dadas por Adelaide Nogueira para o atraso.

Na última quinta-feira que antecedia o carnaval, a jornalista, bastante pressionada, enviou algumas mensagens para pelo menos dois grupos de pessoas que compraram os abadás, informando que o material seria entregue na sua residência.

Na sexta e no horário estipulado por Adelaide, as vítimas bateram à porta de sua casa e não tiveram resposta. Após algumas tentativas de contato, uma das vítimas percebeu a fresta da janela aberta e, ao olhar para dentro, flagrou a jornalista deitada ao chão em convulsão e com um frasco de veneno de barata ao seu lado.

"Eu vi a cena e fiquei chocado. Meu marido arrombou a porta e encontrou ela nesse estado. Ligamos para o SAMU e ela foi levada ao hospital, e nós fomos direto para a delegacia", disse Manoel Barbosa, uma das primeiras vítimas a expor o caso nas redes sociais.

"Eu, que trabalho com eventos, deveria ter cuidado, mas a Adelaide era uma amiga, uma pessoa próxima", ele adquiriu os abadás para ele e mais 6 pessoas e ficou no prejuízo.

Adelaide foi levada ao Hospital Geral de Alagoas, onde, mesmo fora de perigo, continua internada até hoje sem previsão de alta. Segundo uma funcionária do HGE que prestou atendimento no dia do ocorrido, Adelaide teria ingerido uma pequena quantidade de veneno de barata, incapaz de causar sua morte, mas que gerou efeitos gástricos. A jornalista recuperou-se no mesmo dia, tem seu estado de saúde reestabelecido, mas, como é comum em pacientes que tentam tirar a própria vida, o protocolo do hospital só prevê alta quando a saúde mental estiver plenamente reestabelecida e com acompanhamento de pelo menos um familiar. Adelaide estaria se recusando a receber parentes. Ontem, sua rede social no Instagram foi suspensa, o que leva a crer que ela já pode estar tendo acesso ao seu celular.

Por protocolos médicos, o hospital é impedido de divulgar informações de pacientes que tentam suicídio, por isso não pudemos confirmar as informações de forma oficial, mas apuramos junto a fontes dentro do hospital que amigos jornalistas estariam articulando sua transferência para o Hospital Portugal Ramalho.

pressão das vítimas dias antes da data da entrega

 

Influência na Capital e "golpes" também no camarote Celebration

A jornalista Adelaide Nogueira é bastante influente em Maceió. Em sua rede social, era comum ver fotos dela mostrando relações próximas a juízes, promotores, políticos e personalidades. No ano passado, recebeu o prêmio Selma Bandeira, que homenageia mulheres alagoanas "fortes e expressivas em diversos segmentos profissionais da sociedade alagoana e brasileira". Ela atuou por alguns anos na assessoria de comunicação de vários eventos em Maceió. Até recentemente, ela fazia parte da equipe de comunicação do maior Réveillon privado da capital, que também realiza eventos de camarote no pré-carnaval de Maceió, onde também apuramos informações sobre venda ilegal de acessos.

Adelaide recebendo o prèmio Selma Bandeira

Antes do fechamento dessa reportagem, recebemos depoimentos de várias pessoas dizendo que já haviam sido lesadas por Adelaide Nogueira no acesso ao Camarote Celebration nas prévias de carnaval de Maceió.

"Eu comprei com ela duas camisas do pré-carnaval, mas ela não deu as pulseiras. Lá (no camarote Celebration) o que ela estava fazendo: estava colocando as pessoas para dentro, mandando os funcionários colocarem as pulseiras e mandando entrar, sem nenhum ticket nem o voucher (...) foi quando o Lucas, um dos coordenadores, viu e interveio", disse João Victor Brasil, uma das 6 pessoas entrevistadas por nossa reportagem. Vítor autorizou sua identificação e nos contou mais detalhes sobre os golpes de Adelaide. Ele foi lesado na compra dos abadás para o camarote Celebration, para o Carvalheira em Olinda e para o Boa Viagem em Recife. Ao todo, ele desembolsou 2.200 reais, pagos à vista em Pix para a conta de Adelaide. Os abadás foram comprados entre novembro de 2024 e começo de fevereiro de 2025.

Antes de não receber os abadás comprados para o carnaval, alega ter passado por um constrangimento no Camarote Celebration também adquirido junto à jornalista.

"Foi justamente na minha vez. Na frente de todo mundo, pegaram no meu braço, tiraram a minha pulseira. Depois de muita reviravolta, devolveram minha pulseira e pediram desculpas."

João é uma das vítimas que abriu Boletim de Ocorrência contra a jornalista Adelaide Nogueira.

Mais vítimas do Golpe do camarote Celebration e do carnaval em Salvador

Uma outra vítima do golpe no camarote Celebration do pré-carnaval contou à reportagem que adquiriu 15 abadás com Adelaide Nogueira.

"Tentamos pegar tudo antes. Depois de muita pressão, a gente conseguiu pegar as camisas, mas não as pulseiras. Peguei para que as meninas do grupo pudessem customizar. Adelaide disse que levássemos a camisa e fôssemos ao camarote, que lá na hora ela entregaria as pulseiras. Foi aí o problema. Chegando lá, cadê as pulseiras?" detalhou.

"A minha irmã não conseguiu pegar nem camisa nem pulseira. Fomos impedidos de entrar. Depois de muita discussão, ficou acertado que o grupo todo compraria o acesso novamente - dessa vez na bilheteira do evento - e que a Adelaide devolveria o valor pago na segunda. Até hoje ela não devolveu nada", completou.

A vítima contou que uma amiga que também comprou as entradas chegou a ter uma calorosa discussão na frente do evento.

"Minha amiga chegou um pouco antes do que eu. Quando soube, ela conversou com um rapaz lá do Celebration, Lucas. Ela fez um barraco mesmo e conseguiu as pulseiras. Não sei como foi que a Adelaide se resolveu com o Celebration", detalhou.

A mesma vítima, cuja identidade será mantida em sigilo, adquiriu com Adelaide Nogueira os abadás dos Blocos Camaleão e Me Abraça para o carnaval de Salvador, um em março de 2024 e outro em janeiro deste ano.



"Ela me deu 30% de desconto. Fiquei sabendo do golpe quando estávamos no caminho de Salvador. Porque criaram um grupo e nos adicionaram. Foi quando soubemos de tudo e vimos que também havíamos caído no golpe. Há 20 anos saio no bloco e tive que desembolsar quase 5 mil reais para não perder o carnaval."

Ele conta ainda que Adelaide contou que teria se articulado para ir a Salvador durante o carnaval e alugou uma casa em conjunto com as pessoas para quem ela iria vender os abadás.

"Ela cobrou R$ 1.800 de cada pessoa pelo aluguel da casa em Salvador durante o carnaval. Teria fechado com pelo menos 4 outras pessoas. O dinheiro foi repassado. Quando toda situação veio à tona, as pessoas buscaram informações junto à casa alugada por ela e descobriram que ela havia pedido reembolso do valor na segunda-feira antes do carnaval. Ela premeditou isso. As pessoas iam chegar em Salvador e iam descobrir que não tinham abadás e nem sequer lugar para ficar", completou.

Nossa reportagem apurou que a jornalista teria feito um acordo junto à direção do Celebration para ressarcir o valor das vendas ilegais e teria sido afastada de suas funções. Até agora, as organizações dos camarotes em Olinda e Recife e dos blocos em Salvador, nem o Celebration, se pronunciaram oficialmente sobre o caso, mas notas oficiais podem ser divulgadas a qualquer momento. A polícia também deve investigar se existem mais pessoas envolvidas com os golpes. Adelaide será investigada por vários crimes, entre eles, estelionato, que pode lhe render prisão de até 8 anos.

As vítimas criaram um grupo no aplicativo de WhatsApp e estão se organizando para cobrar apuração do caso. Até o momento, 105 pessoas estão nesse grupo.

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